As finalidades da Igreja doméstica

A Igreja doméstica, a família, não é parte da estrutura hierárquica da Igreja, bem o sabemos. Mas a expressão "Igreja doméstica" não é apenas figura de linguagem. Se todos, pelo Batismo, somos Igreja, parte do Corpo Místico de Cristo, a família, como primeira célula da sociedade civil, também o é da sociedade espiritual que é a Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica.

Assim, se a família é uma pequena Igreja, sua missão é a mesma desta. E as finalidades da Igreja são a glória de Deus e a santificação dos homens. Logo, a família, Igreja doméstica que é, também terá por fins glorificar a Deus e santificar as pessoas, de modo especial seus membros.



A glória de Deus

O primeiro fim a Igreja doméstica atinge mediante o sacrifício. É pelo sacrifício que se adora a Deus. Em primeiro lugar, pelo Sacrifício da Missa, que é a mesma Cruz tornada presente. Assim, a família assistirá a Missa em todos os Domingos e dias de preceito, e procurará também dela participar em outros dias. A participação na Missa é o primeiro modo de unir-se ao sacrifício de Cristo e dar glória a Deus por ele.

Mas esse sacrifício de Cristo na Cruz e na Missa deve traduzir-se na oblação de si mesmo. Vimos aqui que o chefe de família, como sacerdote da Igreja doméstica, é o primeiro "sacrificador" do lar, o primeiro a se sacrificar, a imolar-se como vítima, e a oferecer outros sacrifícios de louvor agradáveis ao Senhor. Todavia, assim como, na Igreja vista de forma mais institucional, o sacrifício por excelência do sacerdote ordenado não exclui nem a participação dos leigos na Missa, a seu modo, nem os sacrifícios de louvor e mortificações oferecidos por eles, em decorrência de seu sacerdócio comum, oriundo do Batismo, também no lar o papel de sacerdote da Igreja doméstica reservado ao marido, ao pai, não obsta ao oferecimento de si mesmo a Deus, aos sacrifícios de louvor, às penitências e demais atos de adoração, feitos pela esposa e pelos filhos. Mais ainda, pela família reunida, congregada diante do Senhor.

Todos, pois, são chamados, não apenas como batizados, mas também como membros da Igreja doméstica, como parte da família, a glorificar a Deus por seus atos. Devemos adorá-Lo em espírito e em verdade, e se é verdade que isso, de forma essencial, se faz ao assistir a Missa unindo a nossa vontade à de Cristo, não é menos verdade que os atos cotidianos também devem ser sempre oferecidos a Deus como louvor. O Rei Davi já cantava: "Honra-me quem oferece um sacrifício de louvor." (Sl 49,23)

De modo prático, a família glorifica a Deus quando se entrega à Sua soberana vontade, quando reza, quando medita, quando contempla a Paixão de Jesus no Calvário, quando imola sobre o altar dos desígnios divinos, os seus próprios caprichos, suas opiniões, sua liberdade. Não seria uma forma de sacrifício agradável a Deus justamente o renunciar ao respeito humano e, na contramão do mundo, sem, entretanto, perder de vista a responsabilidade e a razão, abrir-se à vida, tendo tantos filhos quanto o Senhor mandar?



Glorificamos a Deus, além disso, quando confessamos com fé, diante dos homens, que somos cristãos e temos uma fé inabalável e convincente pela graça do Altíssimo, ainda que frágil pela debilidade humana. Dar testemunho de submissão a Deus, de aceitação de Sua vontade, de cumprimento dos Seus desígnios, de união com Jesus mediante a Igreja, Seu Corpo e Sua Esposa, revela a glória de Deus em nossas vidas.

Segundo Jo 15,8, o Pai é glorificado quando damos muitos fruto. O fruto, sobretudo, é manifestar a fé com obras, com coerência, viver de acordo com o que Deus espera, obedecendo a Seus mandamentos, sendo fiéis à Igreja Católica, amando a Virgem e ao Papa, sendo assíduos à Missa e à oração, e conquistando almas para Cristo mediante nosso apostolado. Temos que frutificar, fazer a árvore da nossa vida - e a árvore é um símbolo da Igreja - dar belos e apetecíveis frutos. Isso dá glória a Deus. Aliás, um bom resumo didático do que é que o Senhor espera de nós é explicado por São Paulo como sendo os "frutos do Espírito Santo". A Bíblia nos fala que "o fruto do Espírito é caridade, alegria, paz, paciência, afabilidade, bondade, fidelidade,  brandura, temperança. Contra estas coisas não há lei." (Gl 5,22-23) E para dar esse fruto que glorifica a Deus, devemos, como galhos e ramos, estar unidos à árvore que é a Igreja, a qual, por sua vez, é o próprio Cristo (cf. Jo 15,5), já que ela é o Seu Corpo Místico.

Assim, esse primeiro fim da Igreja no lar é feito quando santificamos todas as coisas que fazemos: não só os momentos de oração e adoração, como igualmente o lazer, a educação, a companhia dos filhos, a relação sexual entre os esposos, os passeios. Não se trata de dar uma tônica religiosa aos aspectos mais seculares, mas de fazer tudo, com naturalidade, tendo como intenção, ainda que indireta, implícita, glorificar ao Senhor. "Portanto, quer comais quer bebais ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus." (1Co 10,31) Um exemplo dessa glorificação de Deus nas pequenas coisas do dia-a-dia está retratado nos posts que levam o título {pretty, happy, funny, real}.

"Temos que amar a Deus, para amar assim a sua vontade, e ter desejos de corresponder aos chamamentos que nos dirige através das obrigações da nossa vida de todos os dias: nos deveres de estado, na profissão, no trabalho, na família, no convívio social, no nosso próprio sofrimento e no sofrimento dos outros homens, na amizade, no empenho em realizar o que é bom e justo..." (São Josemaria Escrivá, É Cristo que passa, 17)

A santificação dos homens

O primeiro dever do homem é salvar sua própria alma. "O homem é criado para louvar, reverenciar e servir a Deus Nosso Senhor, e assim salvar a sua alma." (Santo Inácio de Loyola, Exercícios Espirituais, Princípio e Fundamento)

Cada membro da família deve ter por ocupação primeira salvar sua alma. E a família, como Igreja doméstica, deve ajudar a todos os seus membros nessa tarefa, para que se salvem juntos. A salvação continua individual, pessoal, intransferível. Cristo morreu na Cruz por nós, por mim, individualmente. Mas o caminho da salvação e da santificação se faz ajudando-nos uns aos outros. O primeiro lugar em que essa ajuda deve ser bem concreta é a família. No lar, o filho, o pai, a mãe, se salvam, se santificam, aprendem os rudimentos da fé, e se esforçam, auxiliando-se mutuamente, no plano de Deus. Assim como as paróquias e as Dioceses são instrumentos para nossa santificação pessoal, também é a família.



O fundador do Opus Dei insistia que "cada homem, cada mulher, tem de se santificar em sua vida ordinária, nas condições concretas de sua existência cotidiana; que, por conseguinte, os esposos têm de se santificar vivendo com perfeição as suas obrigações familiares." (São Josemaria Escrivá, Questões atuais do cristianismo, 99)

Marido e mulher têm graça de estado, dada na celebração do Matrimônio, para se santificarem mutuamente e ajudarem os filhos a alcançar o céu. O Matrimônio não é apenas uma condição, um estado civil, mas um sacramento. Ele confere a graça santificante! Por si só, ele santifica, aumenta a amizade de Deus em nós, fortalece a graça que recebemos pelos méritos de Cristo na Cruz. O Matrimônio é um canal das graças que nos chegam do Calvário! E confere, igualmente, graças atuais específicas para executar a missão de pai, de mãe e de esposo. Não nos santificamos, como casados, apesar do casamento, mas justamente por causa do casamento. Pelo Matrimônio, com o Matrimônio e no Matrimônio - poderíamos dizer, parafraseando o Ordinário da Missa. "Quem é chamado ao estado matrimonial encontra nesse estado — com a graça de Deus — tudo o que necessita para ser santo, para se identificar cada dia mais com Jesus Cristo, e para levar ao Senhor as pessoas com quem convive." (São Josemaria Escrivá, Questões atuais do cristianismo, 91)

E se Deus dá a graça, resta a nós não impor obstáculos a ela. Precisamos, com nossa liberdade, com a fé, com a aceitação da vontade divina, corresponder a essa graça. 

"A íntima comunidade da vida e do amor conjugal, fundada pelo Criador e dotada de leis próprias, é instituída por meio da aliança matrimonial, eu seja pelo irrevogável consentimento pessoal. Deste modo, por meio do acto humano com o qual os cônjuges mùtuamente se dão e recebem um ao outro, nasce uma instituição também à face da sociedade, confirmada pela lei divina. Em vista do bem tanto dos esposos e da prole como da sociedade, este sagrado vínculo não está ao arbítrio da vontade humana. O próprio Deus é o autor do matrimónio, o qual possui diversos bens e fins,(1) todos eles da máxima importância, quer para a propagação do género humano, quer para o proveito pessoal e sorte eterna de cada um dos membros da família, quer mesmo, finalmente, para a dignidade, estabilidade, paz e prosperidade de toda a família humana. Por sua própria índole, a instituição matrimonial e o amor conjugal estão ordenados para a procriação e educação da prole, que constituem como que a sua coroa. O homem e a mulher, que, pela aliança conjugal «já não são dois, mas uma só carne» (Mt. 19, 6), prestam-se recíproca ajuda e serviço com a íntima união das suas pessoas e actividades, tomam consciência da própria unidade e cada vez mais a realizam. Esta união íntima, já que é o dom recíproco de duas pessoas, exige, do mesmo modo que o bem dos filhos, a inteira fidelidade dos cônjuges e a indissolubilidade da sua união (2).

Cristo Senhor abençoou copiosamente este amor de múltiplos aspectos, nascido da fonte divina da caridade e constituído à imagem da sua própria união com a Igreja. E assim como outrora Deus veio ao encontro do seu povo com uma aliança de amor e fidelidade (3), assim agora o Salvador dos homens e esposo da Igreja (4) vem ao encontro dos esposos cristãos com o sacramento do matrimónio. E permanece com eles, para que, assim como Ele amou a Igreja e se entregou por ela (5), de igual modo os cônjuges, dando-se um ao outro, se amem com perpétua fidelidade. O autêntico amor conjugal é assumido no amor divino, e dirigido e enriquecido pela força redentora de Cristo e pela acção salvadora da Igreja, para que, assim, os esposos caminhem eficazmente para Deus e sejam ajudados e fortalecidos na sua missão sublime de pai e mãe(6). Por este motivo, os esposos cristãos são fortalecidos e como que consagrados em ordem aos deveres do seu estado por meio de um sacramento especial (7); cumprindo, graças à força deste, a própria missão conjugal e familiar, penetrados do espírito de Cristo que impregna toda a sua vida de fé, esperança e caridade, avançam sempre mais na própria perfeição e mútua santificação e cooperam assim juntos para a glorificação de Deus.

Precedidos assim pelo exemplo e oração familiar dos pais, tanto os filhos como todos os que vivem no círculo familiar encontrarão mais fàcilmente o caminho da existência humana, da salvação e da santidade. Quanto aos esposos, revestidos com a dignidade e o encargo da paternidade e maternidade, cumprirão diligentemente o seu dever de educação, sobretudo religiosa, que a eles cabe em primeiro lugar. Os filhos, como membros vivos dá família, contribuem a seu modo para a santificação dos pais. Corresponderão, com a sua gratidão, piedade filial e confiança aos benefícios recebidos dos pais e assisti-los-ão, como bons filhos, nas dificuldades e na solidão da velhice. A viuvez, corajosamente assumida na sequência da vocação conjugal, por todos deve ser respeitada (8). Cada família comunicará generosamente com as outras as próprias riquezas espirituais. Por isso, a família cristã, nascida de um matrimónio que é imagem e participação da aliança de amor entre Cristo e a Igreja (9), manifestará a todos a presença viva do Salvador no mundo e a autêntica natureza da Igreja, quer por meio do amor dos esposos, quer pela sua generosa fecundidade, unidade e fidelidade, quer pela amável cooperação de todos os seus membros." (Concílio Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes, sobre a Igreja no mundo atual, 48)

Na família, os pais devem ensinar aos filhos, primeiro pelo exemplo, mas também pelas palavras, pela "teoria", o que Deus espera deles. Adequados à própria formação dos pais (que devem se esmerar por, na sua condição, dominarem suficientemente a doutrina e a piedade católicas), repassarão o conteúdo do Plano de Deus aos filhos, e se esforçarão por inculcar nas crianças o gosto pelas coisas da Igreja.



Lembremos, todavia, que a santificação dos pais e dos filhos não usa necessariamente das exatas mesmas ferramentas que utiliza um monge cartuxo. Somos chamados, como leigos, a nos santificar no século, no mundo, em meio ao fiel cumprimento dos deveres de estado, no lazer, nas conversas, no churrasco, no amor, nas brincadeiras e, claro, também nas atividades explicitamente religiosas.

A família cristã, para ser Igreja doméstica, e cumprir a segunda finalidade, de santificar a todos os homens, deve começar santificando a si mesma. Rezando, assistindo Missa, confessando seus pecados ao sacerdote, crescendo em graça, recebendo os sacramentos, aprendendo sobre a doutrina católica, contando com um diretor espiritual, aumentando a amizade com Jesus, amando a Virgem, o Papa e a Eucaristia, e dando uma entonação sobrenatural aos deveres de estado: trabalho profissional, estudo, tarefas domésticas, cuidado com a esposa, o esposo e os filhos, educação das crianças. E, igualmente, sobrenaturalizando a jornada diária, sabendo que até nas brincadeiras ou nas comidas, sem precisar fazer uma caricatura de vida espiritual, "clericalizando" as coisas.

Cumprindo essas duas finalidades, a família será realmente uma Igreja doméstica.



Rafael Vitola Brodbeck

2 comentários:

Lívia Guimarães disse...

Desejo co sinceridade que através desta linda família, todos vocês possam alcançar o céu.

Que tantas outras também tenham força para servir a Cristo através desta vocação.

Anônimo disse...

Excelente.A Igreja Doméstica deve mesmo ser essa fonte de apostolado que movida pela caridade divina santifica seus membros e por amor a Deus acaba sendo exemplo para outras famílias que precisam ser temperadas com o santo temor de Deus.

Obrigada Aline e Rafael pelo vossa Igreja Doméstica e compartilha e ensina aos irmãos a verdadeira postura de uma família católica e como tal repleta de caridade.

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