A importância das tradições familiares

Todo agrupamento humano tem suas tradições. Não necessariamente religiosas, é fato. Algumas são apenas cívicas, humanas, mas, indiretamente, acabam contribuindo para fortalecer as concepções espirituais também. Lembremos que a graça não dispensa a natureza, antes a supõe e a aperfeiçoa. Deus, aos nos cobrir com sua presença, não afasta de nós o que é humano. Nossa natureza humana, ainda que decaída pelo pecado, foi criada por Deus e Ele viu, diz a Bíblia, que tudo era bom. Nossa alma é sua imagem e semelhança. E, além disso, Deus resolveu, para a nossa salvação, fazer-se um de nós, encarnar-se no seio da Virgem Maria, assumindo, sem deixar a sua natureza divina, a nossa natureza humana, para redimi-la do pecado. 

Negar o humano é cair no erro do gnosticismo, que pretendia haver uma dualidade: a matéria má e o espírito bom. A Igreja o condenou como heresia nos primeiros séculos.

Temos falado em nosso blog sobre diversas tradições religiosas que um lar católico pode manter: dicas de como observar em casa os tempos litúrgicos, festejar os aniversários de Batismo, comemorar alguns santos de especial veneração para a família, decorar o lar de acordo com a festa da Igreja, manter orações específicas para alguns períodos durante o ano, preparar refeições que tenham alguma conexão com a liturgia.

Hoje, quero falar de outras tradições que podem ser trabalhadas pela família para ajudar a criar aquele espaço de naturalidade e companheirismo, tão saudável para que o bom odor de Cristo se faça presente, transformando nossas casas, de máquinas de morar, em verdadeiros lares.

É bom que as crianças, desde cedo, já se sintam envolvidas na prática desses pequenos rituais que fazem o nosso cotidiano. Isso ajuda na disciplina, na rotina, e na segurança de que, ordinariamente, as coisas saem como devem sair. Ademais, essas tradições, observadas já na infância e compartilhadas por todos os membros da família, auxiliam bastante no envolvimento emocional entre pais e filhos, marido e mulher, e dos irmãos entre si. 

Penso que a mais importante tradição humana a se conservar em um lar católico seja o costume de, ao menos em uma das refeições principais, reunir toda a família em volta da mesa. A casa não é um restaurante ou um hotel em que cada come na hora que bem entender. A refeição é uma festa, uma oportunidade de convívio, de alegrias, de risadas, de compartilhar as tristezas e dificuldades do dia, de manter-se abastecido de afeto para a jornada que continua no decorrer do dia ou no dia seguinte, para acertar detalhes da agenda cotidiana, e para simplesmente viver um ao lado do outro. A refeição em conjunto é uma escola de caridade, em que, diante de um único bife que sobra no fim do almoço, um dos irmãos, fã número um de carnes, faz uma renúncia e oferece gentilmente à irmã mais nova, como homenagem de sua gentileza. É igualmente o lugar onde aprendem a se comportar em sociedade, sabendo que não se deve falar de boca cheia, que não se deve encher o prato até a borda, nem fazer uma "lavagem", colocando suco na boca enquanto ela está cheia de arroz e feijão. Na refeição em conjunto, aprende-se a ter paciência, pois quem já terminou de comer precisa esperar os demais, para se levantarem todos juntos.







































Em dias de festa, um cardápio mais caprichado demonstrará amor e poderá envolver os pequenos na arrumação da mesa, no lavar a louça, e se verá que estamos em uma comemoração especial.

Uma outra importante tradição é a de acompanhar os deveres de casa de seus filhos. Para aqueles que praticam homeschooling ou dão um reforço escolar em casa, isso é natural. Todavia, deve ser uma tarefa incorporada à rotina de todas as famílias. Ver o que seus filhos aprendem, corrigir equívocos deles e dos professores, e incentivar a que aprendam mais e possam ir além do conteúdo trabalhado.

É também muito saudável que exista um espaço diário na agenda do casal para contar histórias a seus filhos. Histórias inventadas, adaptações de livros, leituras de clássicos, contos a partir da vivência familiar, e procurando deixar uma lição de moral ao fim, são importantes para a formação da imaginação dos pequenos. A imaginação é uma potência da alma que precisa ser domada. Bem formada, auxilia na vivência de todos os valores. Mal formada, é a "louca da casa" e pode levar à mais vil perversão e devassidão.

Um horário específico para brincadeiras dos pais com os filhos, no chão, na mesa de jantar ou no sofá, é igualmente um ritual que fica marcado na mente dos pequenos como retrato do companheirismo. Os pais ensinarão os filhos a brincar, a se entenderem como irmãos, a terem tolerância, a saber compartilhar, e verão que os pais, sem renunciar à sua autoridade, são presentes e estão ao seu lado.

Uma noite de verão pode pedir um jogo ao ar livre, no quintal da residência, envolvendo só os irmãos ou com a participação dos pais. Um jogo mais físico, com corrida, com atividades. Pode ser um esporte, como jogar vôlei, futebol ou rugby, passando a bola uns para os outros em círculo, ou uma sequência de atividades, como corrida do saco, esconde-esconde, caça ao tesouro, rouba-bandeira. Se o pátio for mesmo grande, alguma atividade tipicamente escoteira, estilo jogo noturno, para crianças mais velhas e adolescentes, com uma grande história por trás, pode ser bastante interessante.

Em vez da noite, aproveite-se também o dia ou a tardinha para um piquenique em um lugar bucólico.

E se a noite for fria, como nos gelados invernos do Rio Grande do Sul, reunir a todos em volta da lareira, especialmente os mais velhos, com os menores já dormindo, em torno de um jogo de tabuleiro ou de mímica, desses que se vendem nas lojas de brinquedos, fabricados por grandes marcas, é um passatempo muito divertido. Os pais aproveitarão para, enquanto jogam com os filhos, reforçar seus laços de amor, mantendo acesa a chama do desejo que é tão saudável para que a família seja realmente uma comunidade de vida.

Uma viagem anual, planejada com bastante antecedência e fixada no calendário da família, é igualmente uma tradição com grande significado: reforça os laços familiares, proporciona lazer e ensina na prática aspectos de cultura, história e geografia aos filhos, fazendo com que se abram ao mundo.




Tradições que dão mais trabalho e levam certo tempo auxiliam a que todos se envolvam em um grande projeto conjunto, exercitando a perseverança e a determinação, além de fomentar a vida cultural de todos. Como exemplos, ajudar os filhos em alguma coleção: selos, moedas, papéis de carta, modelos plásticos. Ou, então, quem sabe, montar, aos poucos, a árvore genealógica, com vários ancestrais por parte de pai e mãe. Essa árvore levará os filhos a se interessarem por seu sobrenome, pelas tradições dos antigos, pelos erros e acertos de seus parentes, e os guiará por uma grande aventura por bibliotecas, cartórios, igrejas, casas de primos, tios, avós, sites genealógicos na internet. Poderão escrever cartas e mandar e-mails para parentes distantes em busca de informações, o que os treinará para o relacionamento social e para o gosto pela pesquisa, e trabalharão as artes manuais ao confeccionar a árvore, com escritos, fotos, desenhos e colagens.


Ainda nessas tradições mais trabalhosas, que tal incentivar os filhos a tocar um instrumento? É algo para toda a vida, envolve disciplina, formação do caráter, e auxilia na aquisição de alta cultura.



Aqui em casa, uma tradição importante, e que se conecta com os mais caros valores do Rio Grande do Sul, do Uruguai e da Argentina, é a roda de mate. Tomamos chimarrão várias vezes ao dia. Eu em meu trabalho, minha esposa em casa, nossos filhos, pequenos ainda, aos sábados. À tardinha, todos em casa, tomamos "religiosamente" o mate compartilhado, com a cuia passando das minhas mãos às da Aline, e, quando as crianças estiverem maiores, se integrarão nesse fundamental símbolo de união e partilha que é o chimarrão.


Rafael Vitola Brodbeck

2 comentários:

Cris GoMon disse...

Nossa, foram tantas dicas boas e uteis, repletas de conhecimento católico que Vale marcar como favorito, imprimir, compartilhar e manter por perto para os filhos de amigos e seus amiguinhos!

Anônimo disse...

Delegado Rafael Vitola Brodbeck, eu aprendi muita doutrina católica com o senhor. Desde os tempos do (quase) finado Orkut eu acompanho seus escritos e agora "acompanho" a sua vida.

Parabéns por ser um homem tão inteligente, culto, apurado, cultivo e com sólido caráter.

Felicidades ao senhor e a sua bela família!

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