Caminhada noturna após o jantar


Caminhadas noturnas podem ser um excelente passatempo em família, ainda mais em noites amenas de meia-estação. Vimos sempre isso em filmes americanos que focam na questão familiar ou que retratam residências nos subúrbios afastados dos grandes centros - mas até mesmo naquelas casas típicas de Nova York, coladas umas nas outras. É um costume bastante interiorano aqui no Brasil, porém não há desculpa alguma para que, tomadas as precauções de segurança, não se adote também em cidades maiores.

Após o jantar - em família, frise-se -, em vez de se reunirem todos em frente ao ídolo moderno que se chama televisão, vão pai, mãe e filhos percorrerem a rua de sua casa ou o entorno, conversando sobre coisas triviais, e relaxando. O pai pode ir apenas com um filho varão, para conversarem assuntos masculinos e assim, na confidência e na amizade, aproveita-se para reforçar os laços entre eles e formar no pequeno homem a sua identidade própria. Ou a mãe com uma filha, ajudando a que esta última se espelhe sempre mais naquela que a gerou. Evidentemente, pai e filha ou mãe e filho podem ter seus programas também, ou a família toda, ou, eventualmente, só o casal - principalmente para namorar à luz da lua e trocar novas juras de amor eterno.

 Aline, Maria Antônia e Bento, antes de uma caminhada noturna (seguida de uma pequena festa com churrasco, claro).

A caminhada é uma atividade que não requer mais nada além de disposição. É uma atividade natural do homem. No ritmo frenético da vida moderna, em que nos locomovemos sempre com um propósito, caminhar sem destino, sem um objetivo determinado, apenas para passear, para contemplar, para conversar, para ficar em silêncio - aquele silêncio eloqüente de duas almas que se amam e sabem que não precisam dizer nada com a boca se os corações dialogam -, é um soco bem dado na mentalidade contemporânea, tão utilitarista. 

Caminhar à noite favorece a reflexão. Ainda que não se faça uma meditação propriamente dita, ela ajuda a acalmar a alma e acostumá-la a esses momentos tranquilos - o que certamente redundará em uma oração bem feita quando na hora de fazê-la. As pessoas precisam, diante de tanto ruído, barulho, informação, aprender o valor da quietude, e a noite negra com suas estrelas e o pensamento de que muitos naquele momento se recolhem em seus lares, certamente é uma ferramenta poderosa para isso.

A noite se aproximava na estância e pedia uma caminhada pelo campo com a família.

Aproveita-se para mostrar a distinção entre a noite e o dia, como uma boa analogia entre as trevas do mal e a luz de Deus, entre o pecado e a graça, entre a tristeza e a felicidade. Pode-se recordar que a noite, feita normalmente para dormir, é um símbolo de que um dia todos iremos morrer. E, mesmo sem palavras, nossos filhos vão entendendo o valor do silêncio, da contemplação, e até mesmo beleza dos astros que surgem no céu.

Uma pausa para o café após um passeio para compras no Uruguai. Um excelente passeio noturno, já que os free shops ficam abertos até tarde.

Lembro que quando criança, próximo ao Natal, eu e meu irmão (minha irmã não era nascida) passeávamos à noite com nossos pais e avós paternos no centro de Santa Cruz do Sul, onde íamos passar as festas de fim-de-ano. Olhávamos as árvores enfeitadas pela rua, o Túnel Verde, a antiga praça da prefeitura iluminada e cheia de crianças que brincavam nas férias escolares, e víamos as vitrines enfeitadas, e nos encantávamos com as luzes, os brinquedos, os presépios - sim, ainda existiam mais presépios do que estátuas do Bom Velhinho.

Embora uma caminhada noturna com os filhos para comprar um sorvete - o que fazíamos em casal, antes da Maria Antônia nascer, nos quentes verões do Itaqui -, aquela mais descompromissada parece que tem mais valor. Mesmo quando não se fala nada, só se ouvindo, no interior, o barulho dos grilos - ou da grama crescendo, como se diz.


Caminhar pela rua calma da noite é uma atividade própria de quem tem ou quer ter vida interior, dando primazia ao espírito - mas sem negar a matéria à moda gnóstica, o que fica bem expresso quando, para caminhar, usamos justamente o corpo, as pernas.

Caminhar à noite em família ajuda até mesmo para que as crianças se acalmem e durmam felizes.

E serve para conversar com a esposa e os filhos. Sobre trivialidades, amenidades, coisas corriqueiras. E também assuntos sérios, mas sem aquele ar pesado, aquele tom de cobrança. Uma boa caminhada noturna em família, com o pai fumando seu cachimbo e relatando histórias de sua vida, de sua infância, adolescência e juventude, contando causos, explicando as virtudes humanas e cristãs de modo bem prático, serve para passar valores de uma maneira descontraída e informal que vai calar na alma até mesmo mais fortemente do que lições dadas de forma rigorosamente prussiana.

Em Piratini, a 1ª Capital Farroupilha, na casa de nossos sogros, após a Missa, em um sábado à noite, em que aproveitamos para esticar as pernas nas ladeiras antigas da belíssima cidade histórica.

Quantas correções de modo amistoso e paternal não se pode fazer no ambiente tranquilo de uma caminhada após o jantar? E quantos pedidos de perdão à esposa por alguma falta não se pode ver? Ou quantas relações solidificadas entre pais e filhos?

A confidência e o desabafo são favorecidos por essas caminhadas noturnas, quando um filho precisa de calma e tranquilidade para expor um problema ao pai, para uma filha narrar suas dúvidas à mãe, para que todos se aconselhem e conversem sobre assuntos até mesmo delicados. A formação das crianças e adolescentes não pode ser reduzida a um arremedo de classe escolar em casa. É no ambiente acolhedor do lar - e o lar está presente não só na estrutura física da residência, mas quando a família se desloca também - que as coisas boas vão sendo aprendidas e as más combatidas.

Aline e Theresa antes de um pequeno passeio.

Enfim, a caminhada noturna serve para conhecermos de fato o lugar onde moramos. Na agitação do dia, com carros e pessoas, todas correndo ávidas para algum compromisso, não prestamos atenção aos detalhes. Só na ausência de agitação isso é possível. Admirar os edifícios na penumbra, refletir sobre as famílias recolhidas em casa, sobre suas alegrias e tristezas, compadecer-se e rejubilar-se por elas. Detalhes riquíssimos da natureza e da arquitetura local, que de dia passam despercebidos, são reencontrados à noite, sem pressa. 

A ansiedade e o stress também podem ser combatidos com esse misto de exercício e passeio, o que contribui para a paz interior e para a harmonia do lar.

Nessa noite fomos jantar fora, comemorando os cinco anos de casados, em Pelotas. Fomos de carro, mas estacionamos em um local que nos proporcionasse uma caminhada relaxante.

Aproveite o leitor para iniciar nesse verão essa prática, nem que seja para também fazer o nenê dormir ou levar o cachorro para fazer cocô.


Até mesmo que depois façamos festa, é preciso caminhar...

Rafael Vitola Brodbeck

Um comentário:

Daniel Pereira Volpato disse...

Mais uma vez, um belo texto!

Um dos motivos pelos quais escolhemos nossa nova residência foi justamente a possibilidade de fazer caminhadas à noite.

A atual fica numa subida, num lugar com trechos muito escuros e outros muito movimentados, sem a possibilidade de se realizar ali uma caminhada relaxante.

Na nova poderemos levar os filhos para passear após um dia de trabalho estressante. Nada mais relaxante para nós e divertido para eles. Muito melhor do que ficar entocado num apartamento minúsculo.

Também percebo a importância do silêncio nos dias de hoje. As pessoas nunca estão sós consigo mesmas, com suas consciências. Há sempre um fone no ouvido, um celular na mão ou outra coisa para impedi-las de refletir sobre aquelas questões essenciais da vida e mesmo sobre suas próprias ações no dia que passou. Uma calma caminhada é excelente para isto!

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