A Quaresma na Igreja doméstica

Como parte da Igreja Católica, os fiéis reunidos em família, formando uma autêntica Igreja doméstica, participam, todo o direito - e dever - da comunhão com os demais cristãos dispersos pelo mundo, em paróquias e dioceses distintas. 


A vivência da Quaresma, portanto, não se restringe à vida paroquial nem deve se esgotar nas práticas individuais, como se os membros da família, que vivem em um mesmo lar, fossem isolados uns dos outros. Marido e mulher devem se auxiliar no crescimento na santidade e juntos incentivar os filhos nesse caminho.

Por isso, é bom, além das práticas quaresmais pessoais, ter em conta alguns pontos para uma Quaresma em família.

Em primeiro lugar, o próprio clima no lar deve ser diferente do restante do ano. Mais austero, mais tranquilo, mais sóbrio, evitando festas, diminuindo o uso de TV, tablets, rádio, internet. Que as leituras sejam mais espirituais do que de outros temas. Que as conversas sejam mais focadas em temas cristãos igualmente.

Ao chegar no Tempo da Paixão - após o I Domingo da Paixão (no calendário moderno, é o V Domingo da Quaresma) -, cobrir as imagens e crucifixos da casa com um pano roxo. Na Semana Santa, aumentar ainda mais o clima de oração e de silêncio, e, enfim, no Tríduo Pascal, desligar completamente os aparelhos de TV, computador e rádios, exceto para acompanhar programação religiosa. 

É bom, igualmente, comentar com os filhos, após a Missa, sobre o Evangelho de cada Domingo e dar uma aplicação prática. Mostrar para as crianças que a cada Domingo que avançamos na Quaresma, chegamos mais próximos da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo.


Iniciamos, claro, a Quaresma, no rito romano, com a participação devota na Missa da Quarta-feira de Cinzas, ainda que não seja obrigatória. Que os filhos recebam com os pais, piedosamente, as cinzas, e os pais aproveitem para lhes dar catequese sobre a penitência, o sentido do gesto e a nossa condição mortal.

Enfim, recordemos que a Quaresma tem três eixos pelos quais devemos nos mover em direção à nossa própria santificação, e que eles devem ser observados individualmente e também em família: a oração, o jejum e a esmola.

No tema da oração, aumentemos a oração em família e pessoal - e que os filhos vejam os pais rezando mais. Podemos pedir que os filhos pequenos se comportem mais na oração, incentivar que as crianças façam mais tempo de oração, que os mais velhos melhorem na meditação, acrescentando alguns minutos a mais. Que o terço diário seja mais meditado, ou mesmo que leiamos em família os Evangelhos previstos pelo Lecionário para cada dia da Quaresma. Nas sextas-feiras da Quaresma, pode-se rezar a Via Sacra em família (se já rezam individualmente fora da Quaresma, façam agora em família; se já rezam em família fora da Quaresma, façam agora na igreja, ou façam outro ato de piedade além da Via Sacra). Podemos rezar os Sete Salmos Penitenciais às sextas-feiras também.


Já quanto ao jejum, é importante observar que na Quarta-feira de Cinzas, assim como na Sexta-feira Santa, temos de observá-lo junto da abstinência. Abstinência é a privação de carnes. Fazemos essa privação, entre os católicos de rito latino, em todas as sextas-feiras do ano, exceto nas Solenidades (pode-se trocar, exceto na Sexta-feira Santa e na Quarta-feira de Cinzas, por outra penitência, embora seja recomendável que, ao menos durante as sextas da Quaresma, a mantenhamos da forma tradicional). Jejum, conforme a tradição ocidental, é a privação parcial dos alimentos, de modo que façamos, nos dias prescritos, apenas uma refeição completa e, se necessário, mais uma ou duas pequenas que juntas não formem uma só. Assim, na prática, temos que todas as sextas do ano, exceto quando nelas caem Solenidades, e especialmente nas sextas quaresmais, façamos abstinência, e na Quarta de Cinzas e na Sexta Santa abstinência e jejum. Podemos, nos demais dias, fazer jejuns parciais, pulando uma refeição, por exemplo, ainda que sem obrigatoriedade de abstinência de carne. E podemos também, a título de jejum em sentido amplo, fazer "entregas" na Quaresma, espécie de abstinência total durante todo o período litúrgico de algo que gostamos: um doce, refrigerante, álcool, cigarro. Não pode, evidentemente, ser uma entrega de um pecado, pois pecados nunca podemos fazer. A entrega ou mortificação ou "abstinência" é de algo lícito, que pode ser feito sem ser pecado, mas que entregamos como sacrifício pessoal.

Também as crianças, embora não precisem fazer jejum nem abstinência canônica, podem ser exortadas pelos pais a escolher algo que gostem e entregar durante a Quaresma: pode ser, inclusive, um brinquedo que gostem. Uma sugestão de algo que fazemos aqui em casa: as crianças escolhem brinquedos para sacrificar e eles são colocados em uma caixa junto de um papel escrito "aleluia". É o enterro do aleluia, uma prática católica americana. A caixa é fechada e só pode ser aberta no Domingo de Páscoa, quando o aleluia é redescoberto. Assim as crianças aprendem o sentido da mortificação ao mesmo tempo em que associam a penitência quaresma à alegria pascal.

Enfim, em relação à esmola, podem os pais ser mais generosos na entrega de dinheiro ou bens aos pobres, às instituições de caridade e à igreja e mostrar isso às crianças. As próprias crianças podem escolher brinquedos ou livros para doar a uma instituição e irem com os pais fazer essa doação.


Para melhor viver esses pontos e ter bem concreto o aumento da oração e dos atos de piedade, algumas famílias organizam calendários de Quaresma, em que dia a dia vão fazendo algumas atividades prescritas previamente. Procurem no Google por "Lent calendar" ou "Family activities for family" e coisas semelhantes, e encontrarão preciosidades.

Aproveitemos esse grande tempo do nosso calendário litúrgico para crescer como família cristã!

Rafael Vitola Brodbeck

Um comentário:

Anônimo disse...

A doutrina filosófica cristã prega que o lar é uma Igreja doméstica. É, mas o maligno tenta para que não seja. No templo de uma Igreja reza-se. Naquele fofoca-se. O maligno astuto por vezes transveste a fofoca em assuntos estéreis e alienantes. Mas eu penso que nós não estamos à deriva embarcados neste magnífico planeta, sincronizado numa fantástica montagem de engenharia cósmica, que nos conduz vazio de um negro espaço sideral afora, a uma velocidade aproximada e combinada de 600 km/s. A grandeza e a magnificência de tudo que nos circunda parecem apagar nossas miseráveis pobrezas. Viver o Reino de Deus aqui na terra só é possível na humildade da carne e na fé. Eu não descobri, me foi descoberto isto ontem. Eu diria no meu mau inglês there´s no way, não tem jeito, ou Deus entra no circuito ou o demônio deita e rola. E como fazer para Deus entrar no circuito? Aí entram um mistério e uma dinâmica que nos escapam à compreensão. O humano por si não faz Deus entrar no circuito. Ele entra atendendo pedidos. Graças a Deus pelos monges e pelas monjas...:)

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