Os votos de matrimônio

Os votos de matrimônio


Nos filmes americanos vemos muito essa preocupação de redigir os votos de matrimônio trocados durante a celebração, em regra protestante. Os noivos procuram ser criativos para, nessa hora, expressar, por votos pensados por eles mesmos, o seu amor e o seu compromisso.

Isso tem muito a ver com a mentalidade liberal, de desapego a formas, herdada das alas mais liturgicamente liberais e puritanas do protestantismo americano, sem ordem de culto fixa. Já os protestantes anglicanos, os metodistas, os luteranos, os presbiterianos, possuem suas liturgias mais estritas. Alguns batistas e congregacionais possuem, ao menos, sugestões para os ritos. De qualquer modo, todos eles, ainda que tenham uma liturgia mais estritamente fixada, uns mais, outros menos, possuem, nos Estados Unidos, essa cultura de votos "espontâneos" de matrimônio.

Nós, na Igreja Católica, temos nossas formas de culto bem claras e definidas. Rubricas específicas dão conta do modo como cultuamos a Deus. Na verdade, com a chancela da Igreja, fundada pelo próprio Cristo, cultuamos a Deus do modo como Ele quer ser cultuado, e isso é estabelecido pelas regras que nos dão dadas pela autoridade. A liturgia pronta, ademais, nos dá a pertença a uma comunidade maior de fiéis, que não começou ontem e não terminará amanhã. (Para entender a importância das regras litúrgicas, conheça o trabalho do Salvem a Liturgia.) Ter os votos já definidos pela liturgia, sem depender do sabor das emoções, é um modo muito poderoso de mostrar a santidade do casamento, bem como ensinar aos noivos, desde já, o que significa o compromisso que vão assumir. Parece muito romântico falar suas próprias frases e escrever seus votos especialmente para essa data, mas na verdade é algo perigoso, pois nem sempre esses votos "particulares" expressam exatamente o que significa a união matrimonial.


Os votos de matrimônio na fé católica


No rito romano, o mais usado na Igreja Católica, os votos de matrimônio, parte da liturgia do casamento, são bem conhecidos:

"Eu, (N.) , te recebo, (N.), por minha esposa (por meu esposo), e te prometo ser fiel, amar-te e respeitar-te na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias de minha vida."

Nos demais ritos da Igreja Católica (bizantino, que é usado também pelas Igrejas Ortodoxas; maronita; siríaco; copta; caldaico; armênio; ambrosiano; mozárabe etc), há variação nessas palavras, mas sempre expressando a mesma coisa.

Analisemos rapidamente os elementos que compõem a fórmula dos votos no rito romano, chamada , canonicamente, de consentimento.

Eu te recebo por minha esposa (por meu esposo)


É o noivo quem recebe a noiva. É a noiva quem recebo o noivo. A opção pelo matrimônio é pessoal. É uma decisão livre e soberana. É por isso que, antes do consentimento, antes de proferir os votos, o sacerdote pergunta aos noivos:

"(N.) e (N.), viestes aqui para unir-vos em matrimônio. Por isso, eu vos pergunto perante a Igreja: é de livre e espontânea vontade que o fazeis?"

Não havendo essa liberdade e essa espontaneidade na vontade, na decisão, o matrimônio não existe, é nulo. Casamento coagido, sem que os noivos de fato queiram, não é casamento. Pode ter havido a cerimônia religiosa, a assinatura de papéis, e uma grande festa, mas não ocorreu verdadeiro matrimônio. Os votos de matrimônio devem ser livres.

Os votos de matrimônio

E te prometo ser fiel


A fidelidade ao cônjuge é um poderoso símbolo da fidelidade a Deus. Comprometemo-nos com aquele com quem casamos, como Cristo e a Igreja comprometem-se um com o outro. A aliança selada entre os noivos é reflexo da Nova e Eterna Aliança, selada na Cruz, e estabelecida entre Nosso Senhor e a Igreja Católica, com a qual Ele desposou derramando por ela o Seu Sangue.

A gravidade do adultério está também no rechaço à palavra dada, na recusa a cumprir compromissos estabelecidos pela própria honra, nas feridas emocionais causadas, mas principalmente por romper uma unidade estabelecida por Deus como expressão de uma Aliança eterna entre Ele e Seu Povo.

Prometemos ser fiéis como Jesus é fiel, como a Igreja é fiel. Aí está o cerne dos votos de matrimônio tais como Cristo nos deixou.

O Código de Direito Canônico define o casamento religioso como:

"o pacto pelo qual o homem e a mulher constituem entre si o consórcio íntimo de toda a vida, ordenado por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à procriação e educação da prole, entre baptizados foi elevado por Cristo nosso Senhor à dignidade de sacramento. Pelo que, entre baptizados não pode haver contrato matrimonial válido que não seja, pelo mesmo facto, sacramento." (Código de Direito Canônico, cân. 1055)

Trata-se, pois:

·         de um pacto, ou seja, de uma aliança, um contrato, devendo haver duas partes livres que queiram contrai-lo, arcando com suas responsabilidades no mesmo;

·         com as duas partes sendo um homem e uma mulher, não havendo qualquer possibilidade de equivaler a casamento um contrato entre dois homens ou duas mulheres, ou um deles e um ser não-humano;

·         estabelecendo uma partilha completa de vida e por todo o tempo que esta durar, com intimidade a tal ponto de se tornarem um só os contraentes;

·         que objetiva ao bem dos cônjuges e à procriação e educação daqueles que surgem do fim primário do casamento, i.e., os filhos;

·         e que, enfim, embora exista na natureza como ordenado por Deus, foi, pelo mesmo Deus, na Pessoa de Jesus Cristo, tornado sacramento, ou seja, canal da graça, quando celebrado entre batizados.

O Matrimônio é a união conjugal de um homem e uma mulher, entre pessoas legítimas para formarem uma comunidade indivisa de vida (cf. Catecismo Romano, II, VIII, § 3).

Na Antigüidade clássica, entre gregos e romanos, a celebração do matrimônio natural era, como a nossa, precedida de esponsais, isto é, de um noivado, pelo qual os nubentes e os pais se comprometiam com o contrato posterior. A entrega dos cônjuges um ao outro era manifestada por ritos externos, que compreendiam sacrifícios feitos aos deuses, quer no lar, quer nos templos. Isso já demonstra a visão mesmo entre pagãos de que a aliança entre o marido e a mulher deveria, de alguma forma, estar ligada a uma reverência ao transcendente, ao divino. O casamento, mesmo natural, mesmo não sendo sacramento, mesmo não claramente sinal da Aliança entre o Deus – que os pagãos desconheciam – e o homem –, transmitia a idéia de uma ligação com a divindade.

O Povo Eleito de Deus, Israel, é um tipo da Igreja. O que é a Igreja na Nova Aliança é Israel na Antiga. E de Israel nasceria o Messias, Cristo, o Senhor, para a salvação não só dos israelitas, mas de toda a humanidade, que padecia sob o pecado (cf. Rm 3,23). Jesus é a realização da promessa feita por Deus já após a Queda de nossos primeiros pais (cf. Gn 3,15). As relações familiares ordenadas por Deus a todos os homens, portanto, adquirem um especial colorido entre aqueles que foram separados pelo Senhor para que de seu Povo nascesse o Redentor.

A sociedade de Israel, como tipo da Igreja, muito tem a nos ensinar: o valor dado à família, o cuidado e o caráter festivo de um casamento, que não era visto apenas como contrato – mas estava ligado estritamente à religião e ao culto no Templo, com sacrifícios previstos, inclusive –, à procriação como uma participação na natureza criadora do Altíssimo, o dever do marido e pai em proteger a sua casa, a mulher virtuosa como digna de todo louvor (cf. Pv 31,10-31), os filhos como uma bênção a ser perseguida e a alegria pela família numerosa (cf. Sl 126,3-5), a tarefa da mãe como educadora e até como aquela que dava os nomes aos filhos (cf. Gn 29,31-30; 1 Sm 1,20), o dever de caridade das famílias mais abastadas para com as desfavorecidas, a honra da família nuclear para com a patriarcal e o clã, a valorização da propriedade familiar e da tradição etc.


(N.) receba esta aliança, em sinal do meu amor e da minha fidelidade. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.


Desde o início dos tempos, Deus estabeleceu alianças com os homens. Aliança é uma união entre duas partes em prol de um objetivo em comum. E essa união é feita mediante um pacto, um compromisso de ambas as partes em chegar ao objetivo pactuado e cumprir o que foi proposto para isso.

Nas alianças com o homem, Deus também oferece um pacto para que seja aceito livremente. E esse pacto envolve compromissos. Pelo cumprimento do pacto, sendo fiel à Aliança de Deus, o homem entra na posse do objetivo pactuado com Deus: viver em sua amizade, andar em graça, ter a bem-aventurança no céu.

Em hebraico, a palavra “aliança”, usada na Bíblia, é “berit”. Esse vocábulo significa uma obrigação imposta e também um compromisso entre as partes que celebram o pacto. Deus, pelas alianças, impõe ao homem uma obrigação: ser santo, obedecer aos seus mandamentos. E, por outro lado, assume Ele mesmo uma obrigação: abençoará os que andarem em seus caminhos e reservará para eles um lugar no céu para viverem eternamente com Ele. O homem e Deus comprometem-se a ser fiéis à Aliança. E Deus, bem o sabemos, é sempre fiel. Quem traiu as sucessivas alianças pactuadas foi sempre o homem...

O Senhor, entretanto, não se deixa vencer em misericórdia. Ainda que Adão e Eva tenham pecado, escolhido satisfazer seus próprios desejos, e ouvir os conselhos de Satanás, Deus lhes dá uma nova oportunidade, e promete em Eva uma descendência que venceria o diabo, quando fala à serpente: “Porei ódio entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela.” (Gn 3,15) O descumprimento do pacto inicial leva Deus a deixar claro que estabelecerá uma Aliança que será perene. E toda a história da humanidade, daqui para diante, será em função desse pacto definitivo. O Antigo Testamento contará a história da preparação para a Nova Aliança prometida por Deus em Adão e Eva, bem como das sucessivas alianças que dela seriam sombra e sinal. Aliás, a expressão Antigo Testamento indica justamente a Antiga Aliança. Testamento, nesse sentido, é sinônimo de pacto, de aliança, de documento, de concerto, de contrato celebrado entre as partes.  As relações entre Deus e Israel, seu Povo, no Antigo Testamento, centram-se na Aliança estabelecida. A teologia da Aliança é fundamental para compreender a Revelação e o tema central do Antigo Testamento, assim como é chave de leitura para o Novo Testamento, a figura de Jesus Cristo, seu sacrifício na Cruz e a instituição de sua Igreja.

Com Adão Deus fez duas alianças: a primeira no Éden, em estado de inocência e justiça, e a segunda após a expulsão daquele jardim de delícias, pelo pecado de nossos primeiros pais, assegurando a graça futura e prometendo que cuidaria dos homens se lhes fossem fiéis. Antes de pecar, o homem se comprometia a não comer o fruto proibido, e em troca Deus andaria com ele, não haveria dor, fome, morte. Após o pecado, todos esses males entraram no mundo, mas Deus levaria o homem para o céu, onde não mais existiriam, a partir da morte de Jesus Cristo, que é prometido em Gn 3,15, como vimos. Deus se compromete em mandar um Salvador e em providenciar tudo ao homem na preparação para sua vinda, e o homem se compromete em honrar a Deus.

Os filhos de Adão e Eva bem sabiam das necessidades dessa Aliança. Sabemos pela Bíblia que Caim e Abel ofereceram sacrifícios a Deus (cf. Gn 4). O sacrifício é o elemento central nos pactos feitos entre o Senhor e a humanidade. É a destruição de uma vítima para agradar a Deus, consagrado-a ao Altíssimo. À morte causada pelo pecado, responde o homem, com a morte que remove o pecado mediante o sacrifício.

Mas a humanidade traiu a Aliança de Deus com Adão. A Escritura nos diz que os homens se corromperam e deixaram o culto divino e os preceitos de Deus. Um justo, porém, havia, e sua família: o patriarca Noé. E Deus o preservou de sua ira, quando derramou uma chuva que inundou a terra. Instruído por Deus, Noé construiu uma grande arca, um grande barco, colocou nele sua família e um casal de cada animal, e foram salvos do dilúvio. Após cessar a chuva, Deus estabeleceu uma Aliança com Noé (cf. Gn 9,11-17), cujo sinal perpétuo céu foi o arco-íris. Para agradecer a Deus pela libertação da morte e para celebrar essa aliança de modo mais concreto, Noé ofereceu um sacrifício: “E Noé levantou um altar ao Senhor: tomou de todos os animais puros e de todas as aves puras, e ofereceu-os em holocausto ao Senhor sobre o altar. O Senhor respirou um agradável odor, e disse em Seu coração: ‘Doravante, não mais amaldiçoarei a terra por causa do homem – porque os pensamentos do seu coração são maus desde a sua juventude –, e não ferirei mais todos os seres vivos como o fiz.’” (Gn 8,20-21)

A arca de Noé é, aliás, um poderoso símbolo da Igreja. Ninguém fora da arca se salvou. Da mesma forma, ninguém fora da Igreja se salva. O dilúvio da época de Noé matou a todos. O inferno mata as nossas almas. Só a arca de Noé e a Igreja são capazes de proporcionar salvação. Já vemos aí como as antigas alianças simbolizavam a Nova, inaugurada na era da Igreja.

Novamente, porém, a humanidade se desviou dos propósitos de Deus, e o Senhor viu chegada a hora de estabelecer um povo que fosse só seu, separado, santificado, do qual sairia aquele Salvador que fora prometido a Adão e Eva. Chama, então Abraão, descendente de Noé pela linhagem de Sem.

Abraão morava em Ur, na Caldéia, atual Iraque, e Deus o convida a partir para Canaã, uma terra que promete à sua descendência:

“O Senhor disse a Abrão: ‘Deixa tua terra, tua família e a casa de teu pai e vai para a terra que eu te mostrar. Farei de ti uma grande nação; eu te abençoarei e exaltarei o teu nome, e tu serás uma fonte de bênçãos. Abençoarei aqueles que te abençoarem, e amaldiçoarei aqueles que te amaldiçoarem; todas as famílias da terra serão benditas em ti.’” (Gn 12,1-3)

O detalhe é que Abraão já era idoso, e casado com Sara, uma mulher estéril, mas Deus lhe promete que fará dele uma grande nação, i.e., que lhe dará filhos. Mais tarde, Deus é ainda mais explícito nesse sentido, quando Abraão ainda era chamado Abrão, sem o “a” dobrado: “Abrão tinha noventa e nove anos. O Senhor apareceu-lhe e disse-lhe: ‘Eu sou o Deus Todo-poderoso. Anda em minha presença e sê íntegro; quero fazer aliança contigo e multiplicarei ao infinito a tua descendência.’ Abrão prostrou-se com o rosto por terra. Deus disse-lhe: ‘Este é o pacto que faço contigo: serás o pai de uma multidão de povos. De agora em diante não te chamarás mais Abrão, e sim Abraão, porque farei de ti o pai de uma multidão de povos. Tornar-te-ei extremamente fecundo, farei nascer de ti nações e terás reis por descendentes. Faço aliança contigo e com tua posteridade, uma aliança eterna, de geração em geração, para que eu seja o teu Deus e o Deus de tua posteridade. Darei a ti e a teus descendentes depois de ti a terra em que moras como peregrino, toda a terra de Canaã, em possessão perpétua, e serei o teu Deus.’ Deus disse ainda a Abraão: ‘Tu, porém, guardarás a minha aliança, tu e tua posteridade nas gerações futuras. Eis o pacto que faço entre mim e vós, e teus descendentes, e que tereis de guardar: Todo homem, entre vós, será circuncidado. Cortareis a carne de vosso prepúcio, e isso será o sinal da aliança entre mim e vós. Todo homem, no oitavo dia do seu nascimento, será circuncidado entre vós nas gerações futuras, tanto o que nascer em casa, como o que comprardes a preço de dinheiro de um estrangeiro qualquer, e que não for de tua raça. Circuncidar-se-á tanto o homem nascido na casa como aquele que for comprado a preço de dinheiro. Assim será marcado em vossa carne o sinal de minha aliança perpétua. O varão incircunciso, do qual não se tenha cortado a carne do prepúcio, será exterminado de seu povo por ter violado minha aliança.’ Disse Deus a Abraão: ‘Não chamarás mais tua mulher Sarai, e sim Sara. Eu a abençoarei, e dela te darei um filho. Eu a abençoarei, e ela será a mãe de nações e dela sairão reis.’ Abraão prostrou-se com o rosto por terra, e começou a rir, dizendo consigo mesmo: ‘Poderia nascer um filho a um homem de cem anos? Seria possível a Sara conceber ainda na idade de noventa anos?’ (...) Mas Deus respondeu-lhe: ‘(...) é Sara, tua mulher que dará à luz um filho, ao qual chamarás Isaac. Farei aliança com ele, uma aliança que será perpétua para sua posteridade depois dele.’” (Gn 17,1-19)

O Senhor honrou essa Aliança com Abraão e fez dele o pai de uma grande nação. De Abraão nasceu Isaac. De Isaac nasceu Jacó, que teve seu nome trocado por Israel. De Jacó nasceram os doze patriarcas, entre os quais José, que foram morar no Egito em tempos de grande escassez de alimentos em Canaã. Vejam que todas as alianças divinas têm por primeiros destinatários os membros de uma família, uma continuidade sangüínea. Embora os pactos sejam celebrados entre Deus e todos os homens, os representantes da humanidade são primeiramente famílias escolhidas para isso.

A descendência de Jacó se multiplicou no Egito e subiu ao trono um faraó que, não tendo conhecido a José, passou a perseguir os israelitas e a escravizá-los. Deus, então, suscitou um libertador, Moisés, que deveria guiar o Povo Eleito de volta à Terra Prometida. Com Moisés, Deus celebrou a principal Aliança do Antigo Testamento, aliás, essa Aliança era o Antigo Testamento por excelência, o grande pacto entre Deus e Israel, tido como um Povo.

A Aliança com Moisés, como as demais, envolvia compromissos da parte dos homens de honrar a Deus e seguir seus caminhos, e de obedecer às suas leis, e da parte de Deus, em lhes guiar pela Providência, dar a sua bênção, e manter de pé a promessa de um Salvador. Mas havia especificidades nesse novo concerto: Deus daria compromissos concretos para os israelitas, os Dez Mandamentos, e assumiria uma promessa igualmente concreta com o Povo de lhes dar por posse a Terra Prometida, Canaã.

Tudo isso é narrado em detalhes no livro do Êxodo e no do Deuteronômio. Deus, de modo especial, diz ao Povo: “Agora, pois, se obedecerdes à minha voz, e guardardes minha aliança, sereis o meu povo particular entre todos os povos. Toda a terra é minha, mas vós me sereis um reino de sacerdotes e uma nação consagrada.” (Êx 19,5-6) O Senhor, como vemos, separa Israel como um Povo particular, um Povo Eleito, o Povo da Aliança, para que ele se santifique e dele saia o futuro Salvador. Tudo, nas antigas alianças, tem em vista a chegada do Salvador, Jesus, que virá celebrar a Nova Aliança na Cruz do Calvário. Para isso, Deus consagra a família de Moisés e todo o Israel, como família de famílias, uma nação!

Essa grande aliança do Antigo Testamento foi renovada diversas vezes pelos hebreus, os israelitas. Josué assumiu que ele e sua casa serviriam a Deus (cf. Js 24,15). Davi renovou o concerto e sobre seu trono se assentaria o Salvador, seu descendente, conforme nos dizem muitos salmos.

"Nós proclamamos a vossa grandeza, Pai santo, a sabedoria e o amor com que fizestes todas as coisas: criastes o homem e a mulher à vossa imagem e lhes confiastes todo o universo, para que, servindo a vós, seu criador, dominassem toda criatura. E, quando pela desobediência perderam a vossa amizade, não os abandonastes ao poder da morte, mas a todos socorrestes com bondade, para que, ao procurar-vos, vos pudessem encontrar. E, ainda mais, oferecestes muitas vezes aliança aos homens e às mulheres e os instruístes pelos profetas na esperança da salvação. E de tal modo, Pai santo, amastes o mundo, que, chegada a plenitude dos tempos, nos enviastes vosso próprio Filho para ser o nosso salvador." (Missal Romano, Oração Eucarística IV)
Os profetas predizem a vinda do Salvador, a quem chamam o Cristo, o Messias, o Ungido. Isaías trata muito disso, bem como Joel e o próprio Davi, mas para a ênfase que estamos dando, o texto de Jeremias é preciso e suficiente:

“Dias hão de vir - oráculo do Senhor - em que firmarei nova aliança com as casas de Israel e de Judá. Será diferente da que concluí com seus pais no dia em que pela mão os tomei para tirá-los do Egito, aliança que violaram embora eu fosse o esposo deles. Eis a aliança que, então, farei com a casa de Israel - oráculo do Senhor: Incutir-lhe-ei a minha lei; gravá-la-ei em seu coração. Serei o seu Deus e Israel será o meu povo. Então, ninguém terá encargo de instruir seu próximo ou irmão, dizendo: Aprende a conhecer o Senhor, porque todos me conhecerão, grandes e pequenos - oráculo do Senhor -, pois a todos perdoarei as faltas, sem guardar nenhuma lembrança de seus pecados.” (Jr 31,31-34)

O Salvador, nascido de casa de Davi, é Jesus Cristo. Não apenas um grande patriarca, não somente um profeta, mas o próprio Deus, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Deus não enviou um emissário para nos libertar do pecado de Adão, da desobediência de nossos primeiros pais, mas veio Ele mesmo se tornar homem, sem deixar de ser Deus. 

O pecado de Adão, então, se tornou felix culpa, uma expressão que muito nos toca, enquanto casal, quando assistimos em família a Solene Vigília Pascal. Aliás, o Exultet sempre nos falou muito à alma desde quando éramos namorados e assistíamos às celebrações pascais em Piratini, RS. E “culpa feliz” ou “pecado de Adão indispensável” justamente porque nos trouxe a alegria “de um tão grande Salvador”.

Jesus Cristo nasce da Virgem Maria, é criado por ela e por São José – no mais perfeito modelo de família que conhecemos –, prepara-se ao seu ministério, prega a Palavra de Deus, morre e ressuscita. Em sua morte, morremos nós para nossos pecados. É inaugurada, com a morte e morte de Cruz, a Nova Aliança. Não só nova, mas eterna. Nova e Eterna Aliança. É eterna porque as demais preparavam para esta, que substitui todas as outras e faz com que nenhuma mais seja necessária. O sacrifício de Jesus por nós, pela Igreja, é suficiente e feito de uma vez por todas (cf. Hb 7,27).

A Aliança de Jesus na Cruz do Calvário é superior às outras porque nela o próprio Deus se ofereceu por nós, como sacerdote e como vítima. A Antiga Aliança, diz São Paulo, era apenas “a imagem, sombra das realidades celestiais” (Hb 8,5).

De fato, em Adão e Eva, exceto a Beatíssima Virgem Maria, “todos pecaram e todos estão privados da glória de Deus” (Rm 3,23). Era preciso reverter isso, e Deus manda o Salvador, prometido já no episódio da queda dos primeiros pais, reiterada essa promessa no decorrer da história de Israel, anunciado pelos profetas e simbolizado pelos inúmeros pactos que compunham a Antiga Aliança, notadamente aquele feito em Moisés.

Como sabemos, “o salário do pecado é a morte” (Rm 6,23), e, como a morte entrou no mundo pelo pecado, deve o pecado sair pela morte. Não a morte de cordeiros, mas do Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (cf. Jo 1,29), o próprio Jesus, o próprio Deus.

Deus, com efeito, com a Nova Aliança, provou que nos ama imensamente.

“Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Jo 3,16)

O pecado nos separa de Deus. Criados para ser seus amigos, nos tornamos distantes, como em que de um lado de um precipício, estando Deus de outro lado. A santidade do Senhor não convive com nossa indignidade que nos veio pelo pecado. Era preciso uma ponte para atravessar o precipício, e essa ponta foi a Cruz de Cristo. Cristo, no Calvário, une o céu e a terra, faz o casamento entre eles, casa-se com a Igreja, formada por todos nós, salvos por Jesus.

Para recuperar a amizade com Deus, precisamos da graça, e a graça nos é conquistada pelo sacrifício de Cristo na Cruz. A Nova Aliança, então, é aquela capaz de nos conquistar a graça e nos dar essa graça para que, por ela, sejamos unidos a Deus, sejamos amigos de Deus, vivamos a vida eterna que Deus quer para nós. Por sua morte, Jesus cancelou a maldição do pecado que pesava sobre nós. “É ele que nos perdoou todos os pecados, cancelando o documento escrito contra nós, cujas prescrições nos condenavam. Aboliu-o definitivamente, ao encravá-lo na cruz.” (Cl 2,13b-14) E isso é o que chamamos de salvação, é a essência da Nova Aliança, e a conquista da graça para nós, pecadores.

Essa Aliança de Cristo que nos conquista a graça na Cruz, fazendo-nos amigos de Deus, seus filhos adotivos e semelhantes a Ele, participantes de sua vida divina, institui também um meio pelo qual essa graça nos é doada: a Igreja. Jesus funda uma sociedade visível não como apêndice de sua obra. A Igreja é essencial. Pertencer a ela é necessário para a salvação, para recebermos a graça. Extra Ecclesia nulla salus, diziam os antigos Padres. Fora da Igreja não há salvação. Se a Antiga Aliança inaugurou um Povo Eleito, Israel, a Nova Aliança estabelece um novo povo, o novo Israel, a Igreja. Não tem a Igreja apenas a missão de levar a mensagem de Jesus a todos, mas também de levar a todos a graça por Ele conquistada na Cruz. E ela o faz ministrando os sacramentos, como veremos no próximo capítulo.

Na tradição judaica, a glória de Deus, a Shekinah, simbolizada pela nuvem que acompanhava o Povo Eleito no deserto, do Egito à Terra Prometida, representa também a Esposa do Altíssimo. O sábado, dia do descanso na Lei Mosaica, era uma representação terrena do Shabbat eterno que, para nós, cristãos, será justamente o paraíso após o Juízo Final. Para os judeus, no Shabbat eterno se dará a união plena entre Deus e a Shekinah, não porque Deus esteja desprovido de sua glória, mas, e isso adquire um novo e mais pleno significado no cristianismo, porque a Shekinah que acompanha Israel é o próprio Israel. É o Povo Eleito, tendo vocação por glorificar o Senhor, que é a própria glória de Deus. Com o novo pacto inaugurado por Cristo no madeiro, também a Igreja se torna o novo Israel, destinada a manifestar a sua glória. A Igreja é a portadora da Shekinah, e, por suas obras, é a verdadeira Shekinah. Com ela, Igreja, Shekinah, Cristo se casou na Cruz, o que é tornado presente em cada Missa celebrada, e consumará tal união com a festa de núpcias, o banquete - também tornado presente na Missa, em um fortíssimo elemento escatológico - no Dia do Juízo.

Primeiro somos, como Igreja, a família da Aliança, a família do Pacto. E as famílias católicas são famílias da Aliança. Ao casarmos, lá em 2008, nós fizemos aliança um com o outro, diante do padre, e fizemos nossos, por enquanto, três filhos como conseqüência desse pacto de união, fidelidade, compromisso e amor. Fizemos, porém, aliança com Deus igualmente. É um casamento a três: Aline, Rafael e Deus.

Mas não só isso!

O casamento, instituído por Deus para a perpetuação da espécie e a formação da sociedade, mediante a criação e educação das novas gerações, é um sinal de toda essa série de alianças acima. Os próprios israelitas compreendiam que o casamento que celebravam refletia a Aliança do Senhor com Moisés no Sinai. Aliás, sabiam que o casamento humano só era sinal da Aliança porque esta, a Aliança, era uma espécie de casamento místico entre Deus e Israel. É isso que os votos de matrimônio indicam quando se fala em perpetuidade, em fidelidade, em aliança.

A Aliança de Deus com Israel tinha um significado fortemente matrimonial. Israel seria a esposa e Deus o marido. O Povo pertenceria a Deus e Deus seria do Povo. Pelo pacto, Deus se casava com Israel, seu Povo. O Senhor diz, a esse respeito, a Israel por Ezequiel, seu profeta:

“Passando junto de ti, verifiquei que já havia chegado o teu tempo, o tempo dos amores. Estendi sobre ti o pano do meu manto, cobri tua nudez; depois fiz contigo uma aliança ligando-me a ti pelo juramento - oráculo do Senhor Javé - e tu me pertenceste. Então eu te mergulhei na água para limpar o sangue de que estavas coberta, e te ungi com óleo. Eu te vesti de tecidos bordados, calcei-te com sapatos de pele de golfinho, cingi-te com um cinto de fino linho e um véu de seda. Ornei-te de adornos: braceletes nos teus pulsos, colares em teu pescoço, um anel para o teu nariz, brincos para tuas orelhas, uma coroa magnífica para tua cabeça. Teus ornatos eram de ouro, prata, com vestimentas de linho fino, de seda e panos bordados; teu alimento era trigo, mel e óleo. Cada vez mais bela, chegaste à dignidade real. A reputação da tua beleza correu entre as nações, pois essa beleza era perfeita, graças ao esplendor que te havia eu preparado - oráculo do Senhor Javé.” (Ez 16,8-14)

O rei Salomão, no Cântico dos Cânticos, descreve, em linguagem figurada, o relacionamento entre Deus e Israel. A Aliança era um contrato, mas um contrato matrimonial, um pacto de casamento: um pertenceria ao outro e seriam, Deus e Israel, um só! Descreve essa Aliança, portanto, a participação, ainda que no momento somente simbólica – mais tarde, em Jesus, será real pela graça –, do homem na divindade. Por isso também, por descrever de modo tipológico o que mais tarde ocorrerá de fato, a Antiga Aliança é uma preparação e uma seta a apontar a Nova que será celebrada na Cruz pelo Salvador prometido!



“Ao verem a Aliança de Deus com Israel sob a imagem dum amor conjugal, exclusivo e fiel, os profetas prepararam a consciência do povo eleito para uma inteligência aprofundada da unicidade e indissolubilidade do matrimônio. Os livros de Rute e de Tobias dão testemunhos comoventes do elevado sentido do matrimônio, da fidelidade e da ternura dos esposos. E a Tradição viu sempre no Cântico dos Cânticos uma expressão única do amor humano, enquanto reflexo do amor de Deus, amor ‘forte como a morte’, que ‘nem as águas caudalosas conseguem apagar’ (Ct 8, 6-7).” (Catecismo da Igreja Católica, 1611)
Se a Antiga Aliança tinha um forte sentido esponsal, um casamento entre Deus e Israel, muito mais a Nova Aliança celebrada na Cruz será um verdadeiro matrimônio entre Cristo e a Igreja. E, ao contrário da Antiga, que era meramente simbólica, a Nova realmente apaga os pecados pela graça e torna a Igreja verdadeiramente esposa de Cristo. A Igreja e Cristo se tornam um só. E nós, que somos Igreja, somos um só com Cristo. Não por nossos méritos nem por nossa natureza, que não é alterada, mas pela graça. A graça faz com que sejamos o que Cristo é por sua natureza. Somos pela graça o que Jesus é pela natureza. Se o homem deixará o seu pai e sua mãe, como nos diz a narrativa do Gênesis, e se tornará com sua mulher uma só carne, assim também Cristo, ao morrer na Cruz instituindo a Nova e Eterna Aliança, se une à Igreja, i.e., aos que foram por Ele salvos e remidos por seu Sangue naquela derramado, e se torna um só com a Igreja.

Há, portanto, uma relação profundíssima entre o casamento humano e a Aliança com Deus, entre os votos de matrimônio entre os noivos e a resposta ao amor de Senhor pelo Povo. E se o casamento israelita refletia a Antiga Aliança porque esta era um casamento místico entre o Senhor e Israel, e já que a Nova Aliança é um matrimônio místico entre Cristo e a Igreja, também o casamento cristão reflete essa Aliança da Cruz.

“A aliança nupcial entre Deus e o seu povo Israel tinha preparado a Aliança nova e eterna, pela qual o Filho de Deus, encarnando e dando a sua vida, uniu a Si, de certo modo, toda a humanidade por Ele salva, preparando assim as ‘núpcias do Cordeiro.’” (Catecismo da Igreja Católica, 1612)

De fato, São Paulo faz uma bela comparação: o marido é Cristo, e a esposa é a Igreja, e como Cristo se entregou pela Igreja, também os maridos devem se entregar por suas esposas. “Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, para santificá-la, purificando-a pela água do batismo com a palavra, para apresentá-la a si mesmo toda gloriosa, sem mácula, sem ruga, sem qualquer outro defeito semelhante, mas santa e irrepreensível. Assim os maridos devem amar as suas mulheres, como a seu próprio corpo. Quem ama a sua mulher, ama-se a si mesmo.” (Ef 5,25-28) O casamento entre o marido e a mulher tem por modelo o místico Matrimônio entre Cristo e a Igreja, celebrado na Cruz, e cujo banquete se realizará no fim dos tempos, ainda que antecipado em cada Missa, que é o Banquete das Núpcias do Cordeiro! A relação entre os esposos deve beber na fonte da relação entre Jesus Cristo, Nosso Senhor, e sua Igreja, una, santa, católica, apostólica, pela qual Ele deu sua vida. 

O Catecismo da Igreja Católica deixa bem clara essa relação no número 1617, ao falar que o Matrimônio é, como canal da graça, um sinal da Aliança entre Cristo e a Igreja.

A própria entrega física dos esposos um ao outro, no ato sexual, guarda uma profundíssima ligação simbólica com a entrega de Jesus na Cruz pela Igreja. O marido e a mulher entregam seu corpo um ao outro, como Cristo o fez pela Igreja. O sexo entre os cônjuges é tornar fisicamente palpável a máxima de que são uma só carne.

A Aliança de Deus não pode ser rompida. A quebra da confiança, a ruptura do pacto por parte do homem, de Israel, não altera a fidelidade de Deus que, sempre misericordioso, vai atrás do que se perdeu. Da mesma forma, o casamento, sinal da Aliança, é monogâmico, pois Deus não elegeu mais de um Povo, Cristo não constituiu mais de uma Igreja da qual é Cabeça, e é indissolúvel, pois as promessas do Senhor são eternas, e sua fidelidade é inquebrantável. “Se formos infiéis... ele continua fiel, e não pode desdizer-se.” (II Tm 2,13b) O profeta Neemias já chamava o Altíssimo de “Deus do céu, Deus grande e terrível, vós que permaneceis fiel à vossa aliança (...).” (Ne 1,5) E também o Apóstolo São Paulo: “Fiel é Deus, por quem fostes chamados à comunhão de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor.” (I Co 1,9)

A coleta da Missa de Matrimônio é uma bela oração a respeito do casamento como sinal do amor do Senhor pela Igreja, expressando os votos de matrimônio como uma realidade espiritual profundíssima: “Ó Deus, que ao criar o gênero humano quisestes a união do homem e da mulher, ligai os vossos filhos (N.) e (N.) pela aliança conjugal no laço do mesmo afeto. Concedei-lhes crescer na caridade e ser um sinal do vosso amor. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.” (Missal Romano, Missa do Matrimônio, Coleta)

“Reconhece, pois, que o Senhor, teu Deus, é verdadeiramente Deus, um Deus fiel, que guarda a sua aliança e a sua misericórdia até a milésima geração para com aqueles que o amam e observam os seus mandamentos (...).” (Dt 7,9)

O Senhor é fiel em sua Aliança e abençoa os pais que a guardam com uma graça especial para a perseverança dos filhos na fé. É verdade que não se trata de algo automático, dispensando a liberdade de nossas crianças no ato de fé, mas há uma graça a mais, um cuidado maior de Deus em abençoar, nos filhos, a fidelidade dos pais. Portanto, marido e mulher, ajudarão a sua prole a se manter na santa fé católica não só ensinando-a o caminho correto, a verdadeira doutrina e incentivando-os a ter uma vida santa e piedosa, e a frequentar os ofícios e receber os sacramentos, como também eles mesmos, pais, buscarão a santificação de suas vidas e a guarda dos mandamentos, e nisso muito auxiliarão seus filhos. A santidade dos pais consegue de Deus uma proteção espiritual poderosa para seus herdeiros. Deus não apenas se interessa por salvar as pessoas individualmente, como as famílias. Somos, como Igrejas domésticas, famílias da Aliança, refletindo no lar o eterno concerto de Cristo com sua Esposa celebrado no Calvário. Os filhos de pais católicos sinceros, até a idade da razão, enquanto não cometem seus próprios pecados pessoais, podendo, infelizmente, se afastar de Deus, são membros de fato e de direito da família da Aliança, da comunidade do Pacto, santos pela graça santificante que neles está presente. E contam com a ajuda do exemplo dos pais e da atenção toda especial de Deus, que honra nos filhos a santidade dos pais, para que não se afastem do caminho e, se afastando, possam voltar pelo arrependimento sincero e pelo sacramento da Confissão.

“Assim, temerás o Senhor, teu Deus, observando todos os dias de tua vida, tu, teu filho e o filho de teu filho, todas as leis e os mandamentos que te prescrevo, e teus dias serão prolongados.” (Dt 6,3)

O contrário também é verdadeiro. Evidentemente, pais ímpios podem ter filhos santos, que tenham um verdadeiro encontro com Cristo e passem a buscar a face de Deus, pelo verdadeiro arrependimento e uma vida católica genuína. Todavia, embora contem com a graça de Deus, deixam de, em situações ordinárias, estar com aquela especial solicitude do Senhor que chega mediante a fidelidade do marido e da mulher à Aliança. 

Deus mesmo diz isso pela boca do profeta Oséias:

“[M]eu povo se perde por falta de conhecimento; por teres rejeitado a instrução, excluir-te-ei de meu sacerdócio; já que esqueceste a lei de teu Deus, também eu me esquecerei dos teus filhos.” (Os 4,6)

Como dito, não é absoluto que filhos de pais que não busquem a Deus sejam ímpios. Podem e devem corresponder à graça que Deus dá a todos, especialmente pelo Batismo. 

“Aprenderiam, assim, a pôr em Deus sua esperança, a não esquecer as divinas obras, a observar as suas leis; e a não se tornar como seus pais, geração rebelde e contumaz, de coração desviado, de espírito infiel a Deus.” (Sl 77,7-8)

Amar-te e respeitar-te na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da minha vida


Longe de nós definir o amor com conceitos frios... Entretanto, não podemos esquecer que a fim do homem, a felicidade, está em ordenar suas potências, e ele o faz ao submeter os sentidos à vontade, e esta à razão, iluminada pela graça de Deus. O amor, meio do homem ser feliz e mesmo confundindo-se sadiamente com a própria felicidade, só é verdadeiro quando afastamos as concepções que o “libertam” da razão.

As emoções nunca podem ser o critério para a maturidade do amor. Começa este com uma escolha por parte do amante quanto ao amado. Desenvolve-se com o descobrimento do outro, o que confirma a primeira opção ou o convence de que a futura união não é um bom caminho. O papel da emoção, no processo amoroso, é justamente estar a serviço da razão, eis que esta é que nos fornecerá o julgamento adequado quanto ao amor – porque devo amar, como devo amar...

Amor, vemos, é uma decisão! Se Cristo nos mandou amar os inimigos, é porque temos de nos decidir a amá-los. E como amar e “sentir amor” são coisas diferentes, não somos obrigados a gostar de todos e a externar proposições românticas para qualquer pessoa. Não! O mandamento do amor é a máxima prova do conceito que tem Jesus desse sentimento: amar é desejar o bem do outro. Amamos nossos inimigos quando, a despeito de nossas diferenças quanto a eles, desejamos, sinceramente, o seu bem – mesmo que um bem a desejar para um assassino seja sua justa punição. Só se deseja o bem com a razão e não com as faculdades inferiores de uma emoção inconstante. Só a inteligência é constante!

No amor entre amigos, máxime no amor conjugal e familiar, a decisão de amar ocupa papel central, ainda que possa ser imperceptível por operação inconsciente que o seja. Mal ou bem, escolhemos estar com a pessoa amada. E a todo instante estamos fazendo novas escolhas – seja elegendo a continuidade da relação, seja rechaçando-a. Se elas forem feitas com critérios meramente emocionais, a inconstância as dominará: bastará acordarmos de mau humor ou sentir uma atração física passageira por outrem para resolvermos terminar tudo o que a razão recomendaria que permanecesse.

Não vemos nada de frio nesse conceito de amor... Pelo contrário, lembramos que cada vez que dizemos, em casal, um ao outro, que nos amamos, não o fazemos por “cegueira” ou por um sopro das inconstantes emoções. Quando dizemos que nos amamos, fazemo-nos com nosso ser completo. Na prática, é como se nos disséssemos que o maior ato de inteligência que tivemos foi o de nos escolher como marido e mulher. E isso não poderia ser feito se nossa escolha fosse um ato puramente emocional.

Com a razão coordenando as emoções, e tudo sob o influxo da graça de Deus, nossas decisões podem ser mais constantes, e, por isso, também nosso amor. Quem se sente amado por nós, logo, sabe que, ao dizer que nos amamos com nossa inteligência, deve estar extremamente lisonjeado!

O que é melhor: dizer para uma pessoa que seu sentimento por ela é o resultado de uma emoção passageira (e que ela nem sabe ao certo o porquê de amá-la, que é “obrigado” a amá-la), ou que é resultado de um ato livre, deliberado, intelectual? Estamos com a segunda opção... É o ensino de Santo Tomás e dos maiores conhecedores da alma humana! É o recado do Papa Emérito Bento XVI na Encíclica Deus Caritas Est!

Chesterton, o grande convertido inglês, já notava: “Um homem é feliz por se casar com mulher que ama, mas é ainda mais feliz por amar a mulher com quem casou.”  E a Antoine de Saint-Exupéry se atribui: “Amar não é olhar um para o outro, é olhar juntos na mesma direção.”

O amor conjugal, segundo Paulo VI expõe na Encíclica Humanae Vitae, deve ter algumas características.

“O amor conjugal exprime a sua verdadeira natureza e nobreza, quando se considera na sua fonte suprema, Deus que é Amor (…) 

O matrimônio não é, portanto, fruto do acaso, ou produto de forças naturais inconscientes: é uma instituição sapiente do Criador, para realizar na humanidade o seu desígnio de amor. Mediante a doação pessoal recíproca, que lhes é própria e exclusiva, os esposos tendem para a comunhão dos seus seres, em vista de um aperfeiçoamento mútuo pessoal, para colaborarem com Deus na geração e educação de novas vidas. ” 
(Papa São Paulo VI. Encíclica Humanae Vitae, 8)
O Papa passa, então, a enumerar as características desse amor conjugal:

“É, antes de mais, um amor plenamente humano, quer dizer, ao mesmo tempo espiritual e sensível. Não é, portanto, um simples ímpeto do instinto ou do sentimento; mas é também, e principalmente, ato da vontade livre, destinado a manter-se e a crescer, mediante as alegrias e as dores da vida cotidiana, de tal modo que os esposos se tornem um só coração e uma só alma e alcancem juntos a sua perfeição humana.
É depois, um amor total, quer dizer, uma forma muito especial de amizade pessoal, em que os esposos generosamente compartilham todas as coisas, sem reservas indevidas e sem cálculos egoístas. Quem ama verdadeiramente o próprio consorte, não o ama somente por aquilo que dele recebe, mas por ele mesmo, por poder enriquecê-lo com o dom de si próprio.
É, ainda, amor fiel e exclusivo, até à morte. Assim o concebem, efetivamente, o esposo e a esposa no dia em que assumem, livremente e com plena consciência, o compromisso do vínculo matrimonial. Fidelidade que por vezes pode ser difícil; mas que é sempre nobre e meritória, ninguém o pode negar. O exemplo de tantos esposos, através dos séculos, demonstra não só que ela é consentânea com a natureza do matrimônio, mas que é dela, como de fonte, que flui uma felicidade íntima e duradoura.
É, finalmente, amor fecundo que não se esgota na comunhão entre os cônjuges, mas que está destinado a continuar-se, suscitando novas vidas. "O matrimônio e o amor conjugal estão por si mesmos ordenados para a procriação e educação dos filhos. Sem dúvida, os filhos são o dom mais excelente do matrimônio e contribuem grandemente para o bem dos pais.” (Papa São Paulo VI. Encíclica Humanae Vitae, 9)

Os casais modernos, excetuando-se casos em que realmente há situações autorizadoras ao abandono da união física, se separam, na maioria das vezes, por "incompatibilidade de gênio" ou "porque não têm mais os mesmos ideais" ou por outros motivos banais. Não estão mais alegres no casamento? Separam-se! Há dificuldade? Separam-se!

Ora, o juramento era de apenas amar e respeitar na alegria e na saúde? Ou na alegria e na tristeza, na saúde e na doença?

Os votos de matrimônio


Abraçando o matrimônio, ides prometer amor e fidelidade um ao outro. É por toda a vida que o prometeis?

Trata-se aqui não dos votos trocados pelos esposos, mas de uma pergunta que o rito dispõe seja feita pelo sacerdote. A resposta a essa pergunta é um compromisso, uma promessa, e, portanto, é um modo de voto, sim.

Quantos e quantos casais contraem matrimônio na Igreja e respondem afirmativamente a esse questionamento do padre, e, no entanto, na primeira tempestade, correm a abrigar-se não sob o Senhor diante do qual juraram compromisso por toda a vida, e sim diante de um juiz ou tabelião para romperem civilmente os laços que, entretanto, só a morte dissolve? Quantos desses casais, alegres no dia do casamento, dizem "sim" à resposta do sacerdote, e com qualquer dificuldade ou alegando que "o amor acabou", esquecem do que prometeram um ao outro e, mais, prometeram a Deus? 

Se não é por toda a vida que prometem amor e fidelidade por qual motivo casam? Por qual motivo respondem "sim"? Que não digam! Que não casem! 

"Ah, mas surgiu um problema que não sabíamos que ocorreria..." E desde quando foi dito que problemas não ocorreriam? É justamente no meio do problema e no modo como o enfrentamos que provamos nossa fidelidade, nosso amor, nosso juramento. Era na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, não?

A esmagadora maioria dos casais, presos à essa diabólica cultura contemporânea do descarte, pelo qual um vaso quebrado vai fora e é trocado por outro em vez de ser consertado, simplesmente responde afirmativamente à questão posta sem ao menos saber o que responde. Brincam de casamento. Brincam com tão sério compromisso, como brincam em tudo na vida, geração de mimados que são.

O voto é sagrado! Devemos honrá-lo pelo cônjuge e por Deus!

Estais dispostos a receber com amor os filhos que Deus vos confiar, educando-os na lei de Cristo e da Igreja?

Outro ponto ignorado é a resposta a essa pergunta. Respondem "sim", mas os preservativos, os DIUs, as pílulas anticoncepcionais, os usos sem motivo justo de métodos naturais, abundam no relacionamento sexual.

Se não estamos dispostos a receber os filhos que Deus mandar e vamos colocar entraves artificiais impedindo a concepção (ou vamos abusar dos métodos naturais, como se fossem uma espécie católica de camisinha), por que dizemos "sim" ao que padre pergunta?

E mais: é preciso receber os filhos que Deus manda - um, três, cinco, sete, quinze! - e educá-los na lei de Cristo e da Igreja. Não apenas em valores que o mundo até aceita, como uma noção mais ou menos bonitinha de ajuda ao próximo, de honestidade cívica, de bom comportamento. É preciso educar na vontade de Deus, i.e., na busca da santidade e no empenho pelo apostolado. Precisamos criar os filhos para que façam o que Deus quer, obedecendo a doutrina católica.

Isso é matrimônio, isso é casamento católico, isso é a base da família como Igreja doméstica!

Os votos de matrimônio

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Uma parcela do texto acima foi tirado e adaptado de nosso livro FAMÍLIA CATÓLICA, IGREJA DOMÉSTICA. UM GUIA PARA A VIVÊNCIA CRISTÃ NO LAR, publicado pelas Edições Cristo Rei. Adquira o seu exemplar aqui.

Rafael Vitola Brodbeck

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